FAÇA PARTE DA CASA DO MÉDICO           SERVIÇOS           SOBRE NÓS           APM NEWS           EVENTOS           REVISTAS           CLASSIFICADOS

menu

Covid-19 e as implicações no bem-estar mental dos médicos

Dr. Bernardo de Sampaio Pereira Júnior

Médico psiquiatra pela Faculdade de Medicina do ABC e Doutor em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da USP

implicações dramáticas sobre o bem-estar mental

Em dezembro de 2019, uma síndrome respiratória aguda grave causada por um novo coronavírus (SARS-CoV-2) surgiu em Wuhan, China. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma pandemia de COVID-19. A rápida propagação dessa doença infecciosa resultou em um estado global de alerta, pânico e ansiedade nos indivíduos. Essas são, segundo a OMS, reações psicológicas naturais em resposta a condições que mudam drasticamente. Além disso, a quarentena em massa e o toque de recolher implementados por parte das políticas nacionais têm levado à ansiedade, à depressão e à angústia. Isso poderia ser atribuído, também, à ameaça de perda do emprego, distanciamento social, separação familiar, necessidades básicas insuficientes e perdas financeiras.

De acordo com estudos anteriores das epidemias de SARS e de ebola, o início de uma doença súbita e ameaçadora pode levar a quantidades extraordinárias de pressão sobre os profissionais de saúde. Aumento da carga de trabalho, exaustão física, inadequação de equipamento pessoal, transmissão nosocomial e a necessidade de fazer decisões eticamente difíceis sobre o racionamento dos cuidados aos pacientes podem ter implicações dramáticas sobre o bem-estar mental. Ademais, suas resiliências podem ser comprometidas pelo isolamento e pela perda do apoio social, risco de infecções de amigos e parentes, bem como mudanças profundas nas formas de trabalho. Os profissionais de saúde são, portanto, especialmente vulneráveis a problemas de saúde mental.

Em estudos recentes realizados com profissionais de saúde da China durante a pandemia da COVID-19 (Wang et al., 2020; Wu & Wei, 2020; Zhang et al., 2020), demonstrou-se uma associação direta entre dificuldade para dormir e níveis mais altos de ansiedade entre os médicos que trabalham na linha de frente. É importante notar que durante a pandemia os médicos trabalham durante muitas horas, além de fazerem mais plantões noturnos, o que pode perturbar o ritmo circadiano e levar à insônia e a dificuldades para dormir. A abordagem dos problemas de sono do médico durante a pandemia da COVID-19 é importante por conta do seu efeito negativo sobre a cognição, o desempenho e as relações entre pares. É, também, plausível que as insônias e os problemas com o sono sejam secundários à ansiedade.

Um dos fatores importantes envolvidos no dinamismo da saúde mental é a resiliência; que se refere ao ato de enfrentar, adaptar ou prosperar na adversidade, envolvendo complexa interação entre os domínios individual, ambiental e sociocultural. A resiliência tem se mostrado como um fator de proteção contra a ansiedade e o stress no trabalho entre os médicos, como foi mostrado em um estudo recente realizado em Israel (Mosheva et al., 2020).

Além disso, sentimentos de competência ocupacional durante as tarefas relacionadas à Covid-19 parecem estar relacionados com a sobrecarga psicológica desses profissionais. Fornecer treinamento adequado para aqueles que irão trabalhar na linha de frente, com diretrizes claras, pode ajudar a aliviar o estresse e aumentar a confiança profissional. O apoio à saúde mental em tempo hábil e adequado, por meio de mídias, de equipes multidisciplinares e de profissionais da saúde mental, também é decisivo no manejo dessa situação.

Intervenções imediatas são essenciais a fim de melhorar as condições psicológicas (resiliência) e fortalecer a capacidade dos sistemas de saúde. O apoio logístico parece estar associado como fator de bem-estar mental entre médicos da linha de frente. Comunicação clara, limitação das horas de turno, provisão de áreas de descanso e regras detalhadas sobre o uso e gestão de equipamentos de proteção e treinamento especializado no tratamento de pacientes com COVID-19 poderia reduzir a ansiedade proveniente da percepção de desconhecimento e incontrolabilidade dos perigos envolvidos. Por outro lado, ambiente inseguro e más condições de trabalho podem aumentar a percepção de risco para si e aumento do receio de transmissão da patologia às suas famílias. Isto, por sua vez, leva a uma falta de motivação e sentimentos negativos, como desespero e culpa. Assim, os empregadores devem priorizar a garantia da segurança aos médicos, atendendo as suas necessidades básicas.

Pesquisas futuras devem se concentrar no desenvolvimento de melhores medidas de resiliência em situações exclusivas de pandemias e estudar o efeito diferencial dos processos de proteção sobre populações médicas em diferentes níveis de exposição ao risco (Ungar & Theron, 2019). As descobertas podem ajudar a quantificar as necessidades da equipe e a informar as intervenções, por níveis e “sob medida”, que aumentam a resiliência e mitigam a vulnerabilidade dos médicos que se dedicam ao árduo labor de atuar na linha de frente das pandemias.

Artigo publicado na revista digital da APM Santo André Notícias Médicas