FAÇA PARTE DA CASA DO MÉDICO           SERVIÇOS           SOBRE NÓS           APM NEWS           EVENTOS           REVISTAS           CLASSIFICADOS

menu

Entrevista: A realidade da medicina no Brasil

Dr. Adriano Valente*

A 5ª edição do estudo “Demografia Médica no Brasil 2020”, resultado da Cooperação Técnica entre a Universidade de São Paulo (USP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), revela que o Brasil atingiu, em novembro de 2020, a marca histórica de 500 mil médicos registrados, com a razão de 2,4 profissionais por mil habitantes. O levantamento registra ainda o crescimento de 179.838 novos profissionais no mercado de trabalho entre 2010 e 2019. Com esse exponencial aumento de médicos, como fica a carreira médica? Essa competitividade é positiva? A população passa a contar com um serviço mais eficaz? Às vésperas do Dia do Médico, comemorado oficialmente em 18 de outubro, a revista digital Notícias Médicas considerou oportuno promover uma reflexão sobre essas e outras questões cruciais. Para tanto, convidou o Diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, Dr. Adriano Valente, para refletir sobre os desafios atuais da prática médica.

Segundo o CFM, o número de médicos cresceu quase quatro vezes mais que o da população nos últimos 50 anos. No período, o número de médicos aumentou 11,7 vezes, enquanto a população subiu 2,2 vezes. Diante disso, como está a prática médica atualmente?

A prática média brasileira está subjugada a um sistema ruim e de pouca eficiência, independentemente do número de médicos em relação à população. Essa estratégia de aumentar o número de médicos é a prova cabal de que os gestores de saúde estão preocupados em resolver o número e não atuar para resolver o problema da saúde da população. O maior número de profissionais, formados em faculdades, sem a menor condição, está criando um subgrupo de profissionais que se sujeitam a trabalhar com baixa remuneração e, devido ao baixo conhecimento e capacidade de resolução, não acrescentam melhorias, apesar da falsa impressão de solução. Essa enxurrada de novas faculdades trarão uma pressão adicional aos bons profissionais. Os empregadores, em sua maioria, irão optar por soluções mais baratas, com a contratação de profissionais que se sujeitem a trabalhar mais por menos e que ocuparão as vagas de profissionais que se dedicaram, em período integral, há pelo menos 11 anos entre universidade e especialização.

Quais são os principais desafios da carreira médica moderna?

Com o passar dos anos, a necessidade de maior formação e investimentos irão contrastar com a remuneração do profissional. O grande desafio será uma reavaliação dos jovens sobre o benefício, ou não, em se envolver com uma profissão de tanto risco e comprometimento e que, dia após dia, vem recebendo menos atenção e reconhecimento financeiro e profissional. Esse movimento já aconteceu nos EUA e Europa, onde os jovens daqueles países já não se interessam pela profissão médica, optando por outras áreas de menor investimento em tempo, horas de estudo e anos de vida e ainda com baixos riscos envolvidos. Esses países acabam por procurar profissionais em países pobres ou em desenvolvimento, para substituir a demanda, um movimento que demonstra a derrocada de uma estrutura que favorece apenas os investidores da saúde, como grandes grupos financeiros particulares e o poder público, que não valorizam a qualidade, mas sim a quantidade.

Os médicos brasileiros estão satisfeitos?

Como já coloquei acima, depende, se o profissional fizer de qualquer jeito e simplesmente se formar e for trabalhar, ele terá um início de carreira lucrativo, mas ele não enxerga que estará estagnado em pouco tempo, totalmente dependente de cargos públicos e interesses de grupos que utilizarão essa deficiência para valorizar cada vez menos esse profissional. Aqueles profissionais que optaram em investir em uma formação de boa qualidade já estão percebendo que seu esforço tem sido pouco reconhecido e, no futuro, ainda poderá ser mais grave. Não estamos percebendo claramente esse movimento, pois muitos profissionais formados a 20, 30 ou 40 anos ainda estão bem estabelecidos, dando uma falsa impressão de que tudo está bem, porém, aos poucos, estes estão sendo substituídos, incorporados ou deixarão de existir, reduzindo rapidamente a representatividade em relação às novas gerações. Observaremos uma pasteurização da profissão, parecida com o que aconteceu com o direto, uma casta de 1%-3% de médicos muito bem-sucedidos e uma grande quantidade de profissionais mal remunerados e com cargas horárias abusivas para garantirem sua sobrevivência. Observação: lembro sempre que não é quanto se recebe que importa e sim o quanto se recebe em comparação ao investimento realizado; isso é o que não tem sido levado em consideração.

No século 20, os avanços tecnológicos tornaram a Medicina muito mais moderna. Quais impactos provocaram na conduta médica e tratamento das doenças?

Impactos gigantescos; se bem utilizados, os avanças tecnológicos irão elevar o limite inferior do conhecimento médico. Os sistemas de inteligência artificial e compartilhamento mundial de dados trarão aos médicos de quaisquer partes do mundo a possibilidade de acesso a informações atualizadas, úteis ao diagnóstico e tratamento, permitindo e evitando erros grosseiros causados por sistemas ruins de medicina e de formação médica.

A média de idade dos médicos vem caindo ao longo dos tempos e as mulheres já representam 46,6% do total de médicos do país. Esse novo panorama influência mudanças na medicina? Quais?

O maior número de jovens reflete a transformação causada por políticas de massificação da profissão, o que poderia significar um rejuvenescimento, com a qualidade observada hoje, o que exemplifica uma explosão de novos profissionais cujas formações possuem muitas ressalvas. Um ponto importante é que grande parte do conhecimento médico ainda depende de uma parcela da formação cujo modelo se assemelha ao “ofício”, ou seja, o aprendizado por observação e acompanhamento de um profissional mais antigo e gabaritado (o que ocorria nas residências médicas); mas nas faculdades de hoje, o grande número de alunos não permite esse contato e o número de profissionais dispostos a atuarem no ensino está caído cada vez mais, devido à precarização dos salários e o pouco interesse que as instituições tem em investir neles, visto que o objetivo final é o lucro e não a qualidade da formação médica. Quanto ao maior número de mulheres, isso é o resultado de uma equalização das oportunidades entre os gêneros, resultado de uma sociedade que, aos poucos, vem propiciando oportunidades iguais. A grande competência das mulheres vem demonstrando sua competitividade e a conquista, cada vez maior, de espaço. Só vejo pontos positivos quanto a isso.

E como ficam os jovens médicos neste cenário de maior competitividade?

 A competitividade saudável seria boa. A competitividade que vislumbramos é ruim, o funil largo deixará para trás uma quantidade de profissionais desiludidos e subempregados. Como sugestão, a única maneira de mudarmos essa realidade é a união dessa massa de novos profissionais em grupos representativos e a busca de melhores condições de aprendizado, melhores faculdades, melhores salários e condições de trabalho. Se não houver essa união, o intento de formar muitos médicos, de qualquer jeito, foi atingido; um ciclo vicioso de futuro muito ruim. Hoje, o maior erro dos jovens é olharem médicos formados há 40 anos e acharem que terão um futuro parecido com o deles, isso será a realidade de apenas uma restrita minoria. Esses jovens precisam se unir e entidades, como as APMs, podem ser grandes centros de luta pela causa médica, entidades que foram negligenciadas justamente pelas gerações onde havia muita abundância e o “cada um por si” valia a pena. Se quiserem, a minha opinião é: se preocupe com os outros e com todos, pois sozinhos não teremos um futuro promissor.

Atualmente, os profissionais da saúde enfrentam alguns riscos que comprometem a sua saúde, como Burnout e depressão. Como lidar com esses e outros problemas?

A roda viva tem sido massacrante aos profissionais, caudados por uma expectativa que não se cumpriu. Durante a formação médica e olhando colegas formados há décadas, os profissionais esperavam uma vida de qualidade como recompensa ao investimento de tempo e dinheiro que fizeram. Como isso não ocorre, eles recorrem a maiores jornadas e trabalhos mais massificantes, danosos à saúde deles e de seus pacientes, um jogo de perde-perde, ninguém ganha, exceto os grupos que intermediam a relação entre o profissional e o paciente. Veremos, em breve, uma quantidade, cada vez maior, de profissionais trocando de área de atuação.

*CurrículoAtividade profissional atual: Sócio Proprietário da Nuclemed – Instituto de Medicina Nuclear do ABC; responsável pelo Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Estadual Mário Covas, Hospital Brasil – Rede D’Or, em Santo André, e laboratório Biolabor. Atividade profissional associativista: Membro atuante da Diretoria da APM Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, da qual ocupou o cargo de presidente, 2014 a 2020, e de presidente da Comissão de Ética Profissional; é atual Diretor de Defesa Profissional da entidade. É Diretor do Sindicato de Clínicas e Hospitais do Estado de São Paulo desde 2016. Atividade extraprofissional e social: Presidente da Casa Ronald McDonalds do ABC, 2007-2009; curador da Casa da Esperança de Santo André – atual; 2º Diretor Médico da Casa da Esperança do ABC – atual; Diretor da APAE de Santo André – atual. Atividade Rotariana: Posse no Rotary Club de Santo André em 2002, onde já foi Presidente da Comissão de Pólio do D4420 – 2008-2009; Presidente, de 2009-2010; Governador Assistente D4420, 2010-2011; Governador do D4420, 2019-2020; Major Donor nível 1; Membro da Paul Harris Society e Empresa Cidadã – ABTRF. Desenvolvimento Rotário após Governadoria: Membro da Comissão Nacional de Líderes de Capacitação – Comissão de Capacitação de Instrutores Distritais; Coordenador da Feira de Projetos de São Paulo 2021 – Distritos do Brasil, Bolívia, Argentina e Paraguai e Coordenador da PólioPlus – Zona 31 – Regiões 23A e parte da 24.

Acesse e fique por dentro de tudo da revista digital Notícias Médicas https://www.apmsantoandre.org.br/wp-content/uploads/2022/10/Noticias-Medicas-setembro-e-outubro-2022-edicao-157.pdf