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Artigo de atualização Científica: Desafios em Alergia

Dra. Seme H. Silva Leitao

Especialista pela AsBAi e Preceptora do Ambulatório de Alergia da Faculdade de Medicina do ABC

Não é de se estranhar que a especialidade de alergia e imunologia vem ganhando cada vez mais espaço dentre as especialidades médicas, bem como as doenças alérgicas e imunológicas vêm tendo maior diagnósticos e tratamentos especializados. Isso graças ao aumento da prevalência das doenças alérgicas, levando ao avanço de inúmeras pesquisas nas áreas ao aprimoramento de tecnologias, como diagnósticos moleculares, e profissionais cada vez mais capacitados.

De fato, estudos epidemiológicos mostram um aumento da prevalência das doenças alérgicas, tais como rinite, asma, dermatite atópica e alergias alimentares, especialmente nos países industrializados. Considerando que não existe uma explicação para essa observação, a mais aceita teoria afirma que um ambiente mais higiênico, com diminuição da exposição a microrganismos no início da vida, pode levar a um desvio das respostas imunológicas responsáveis pela defesa contra infecções, que passa a atuar em direção a um tipo diferente de imunidade, levando a doenças de hipersensibilidade. Essa é a chamada “hipótese da higiene”.

Com relação aos diagnósticos moleculares, penso que na rotina de diagnóstico de doenças mediadas por IgE, os testes cutâneos são o padrão-ouro, pois têm menor custo, possibilitam resultados imediatos e podem ser realizados com segurança e facilidade no ambulatório.

Além desses, estamos utilizando testes in vitro de IgE específica em situações clínicas especiais, por exemplo, em casos graves e complexos relacionados à alergia alimentar ou naqueles em que queremos avaliar o significado clínico da IgE específica, de forma a descartar as responsáveis pelas reações cruzadas.

No entanto, a utilização dessa ferramenta por profissionais não capacitados a sua correta interpretação pode gerar consequências ruins aos pacientes, sobretudo no diagnóstico das alergias alimentares. E este ponto é um dos maiores dilemas na prática clínica do médico alergista atualmente; excessos de diagnósticos baseados apenas em exames laboratoriais.

Na urticária crônica espontânea (UCE), por exemplo, apesar da recomendação dos consensos sobre reduzir os números de solicitações de exames laboratoriais para o diagnóstico, isso nem sempre ocorre, e, na minha opinião, trata-se de uma realidade em todo o mundo, relacionada com a falta de conhecimento das orientações pela maioria dos médicos que lidam com pacientes com urticária crônica. Isso só pode ser resolvido com educação médica, ainda durante a formação nas faculdades.

Essa questão também esbarra no fato de mesmos profissionais da saúde, incluindo médicos, confundem intolerância à lactose com alergia à proteína do leite de vaca, onde os sintomas e o mecanismos imunológico são completamente diferentes.

A alergia a medicamentos também configura um grande desafio na prática clínica do médico alergista, porque, por vezes, a história clínica é pobre ou confusa ou não temos acesso a um prontuário médico com riqueza de detalhes, no caso das reações Peri operatórias. Nessas situações os exames de IgE específica nem sempre ajudam no diagnóstico, pois muitas das vezes o mecanismo desse tipo de reação não é mediado pela IgE e sim por células T. Para isso, o exame de escolha (padrão ouro) seria o TPD (teste de provocação com droga), embora seja contraindicado em casos de raçoes graves (anafilaxia, NET, Steven Johnson).

Nesse cenário de reações a drogas, também esbarramos em muitas questões desafiadoras para a realização do diagnóstico como: procedimento não fazer parte do rol da ANS, custo elevado do teste, local adequado e profissionais extremamente capacitados para o atendimento de eventuais intercorrências.

Posto esses exemplos acima, ressalto a necessidade que a WAO (World Allergy Association), que é a federação mundial das sociedades de alergia, asma e imunologia clínica, propõe que médicos e todos os estudantes de medicina recebam o ensinamento fundamental para reconhecer, diagnosticar e tratar essas doenças em nível primário e para saber quando encaminhar pacientes com problemas clínicos mais complexos ao especialista em alergia/imunologia, visto que é esperado que a prevalência de doenças alérgicas cresça com o aumento da poluição ambiental e da temperatura global. Essas modificações no meio ambiente, por exemplo, podem afetar a dispersão de polens aéreos, a presença ou ausência de insetos himenópteros e a presença de fungos associados com doenças alérgicas.

A WAO está em uma situação privilegiada, com o respaldo das sociedades membros, para ensinar e atualizar a prática clínica da alergia, sintetizando e disseminando expertise e recomendações para o melhor desempenho do médico com o paciente alérgico.

A visão do clínico sobre alergia geralmente é limitada aos órgãos afetados ou os de seu interesse, como nariz, pulmão ou pele, enquanto a doença alérgica é sistêmica e envolve simultaneamente diferentes órgãos. Um dos aspectos da boa prática da alergologia é encontrar a causa, prevenir os sintomas e a progressão da doença, mais do que basear o tratamento em medicações sintomáticas e paliativas.

Esperamos que outras sociedades médicas percebam e entendam o que é o especialista em alergia/imunologia e como a ASBAI (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia) atua na defesa dos princípios que regem a melhor atenção ao paciente alérgico. O compromisso da ASBAI com a qualidade do cuidado dispensado ao paciente alérgico em qualquer faixa etária passa obrigatoriamente pela acreditação de programas de treinamento que estimulem o desenvolvimento científico e clínico da especialidade de Alergia e Imunologia.

O reconhecimento universal da alergia, as mudanças climáticas e ambientais, os conhecimentos epidemiológicos, a genética, a medicina baseada em evidências, a introdução de modernas técnicas de biologia molecular para o terreno de procedimentos diagnósticos e novos recursos terapêuticos são desafios constantes que todos os alergistas vão enfrentar para manter suas conquistas.

Publicada na edição 154 da revista digital Notícias Médicas.

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